Doenças vasculares em atletas

Doenças vasculares em atletas

Doenças vasculares em atletas

Fábio Henrique Rossi

Instituto de Excelência em Doenças Venosas

O exercício físico em alta intensidade pode provocar sobrecarga anatômica e fisiológica no sistema musculoesquelético e cardiovascular. A injúria e a obstrução vascular devem fazer parte do diagnóstico diferencial na presença de queixa de dor, inchaço, disfunção motora e queda do rendimento no atleta. 

A falta do diagnóstico está relacionada ao baixo conhecimento específico sobre as principais doenças vasculares que acometem o atleta, sobretudo os de alta performance, e pela semelhança existente, entre as queixas vasculares, com aquelas presentes nas lesões do sistema musculoesquelético, que são mais comuns nesse grupo de pacientes. 

É importante o reconhecimento dos principais sinais e sintomas, e das manobras que devem ser realizadas ao exame físico, e durante os exames complementares, que simulam a posição e o esforço provocativo da obstrução vascular, e que podem passar despercebidas nos estágios iniciais. 

Inicialmente, na maioria dos casos, a compressão e a obstrução, ocorrem apenas durante a realização do exercício físico, cujos sintomas podem estar relacionados a queda de rendimento, cansaço e maior tempo necessário para a recuperação física. Com o passar do tempo, pode ocorrer lesão definitiva, progressão da obstrução, trombose e até mesmo embolização e isquemia. 

Uma outra modalidade de injúria vascular, que apesar de rara, quem vêm aumentando de prevalência, é a dissecção aguda da aorta e das artérias cervicais, que se não diagnosticadas e tratadas precocemente, podem trazer consequências graves, acidente vascular cerebral e até mesmo a morte. 

A falta do diagnóstico e tratamento precoce pode levar a perda de rendimento e consequências devastadoras e até mesmo finalizar a carreira do atleta.

 

MEMBROS SUPERIORES:

Trombose Venosa Profunda : 

A trombose espontânea, ou induzida pelo esforço da veia axilar ou subclávia, conhecida como Síndrome de “Paget-Schroetter” é a obstrução mais frequente que ocorre em atletas jovens de alta performance. A embolia pulmonar pode ocorrer em até 35% desses pacientes, demonstrando a importância de seu diagnóstico.  O tratamento precoce além de diminuir o risco da embolia, também previne o desenvolvimento da síndrome pós-trombótica, cujos principais sintomas são a dor, e o edema crônico no braço acometido, que pode comprometer a qualidade de vida e o desempenho do atleta de forma definitiva. 

Sua ocorrência é mais comum em atleta que executam movimentos repetidos com os braços elevados, como os jogadores de baseball, volleyball, goleiros, tenistas e nadadores. 

A síndrome é provocada pela compressão externa da veia axilar ou subclávia, em um espaço ósseo-ligamentar formado pela clavícula, a primeira costela, algumas vezes por costela cervical, outras estruturas ligamentares e hipertrofias musculares, sobretudo dos músculos 

escalenos, em um “túnel” denominado “desfiladeiro torácico”, onde passam os feixes vasculares e nervosos responsáveis pela inervação e circulação dos braços. 

A manifestação clínica inicial, em geral, são sintomas neurológicos, como sensação de choque ou formigamento, no braço, nas mãos, ou nos dedos, que chamamos de parestesia, que em geral respondem bem a fisioterapia.  

A lesão vascular ocorre em dois tempos. O trauma repetitivo dos vasos, causado pelos movimentos repetitivos durante o exercício, provoca compressão externa crônica do vaso, pode levar a uma resposta inflamatória de sua parede, que por sua vez pode levar ao depósito de tecido fibroso, obstrução, e formação de uma rede de vasos colaterais, que quando bem desenvolvidos, são vias alternativas para o fluxo sanguíneo. Por isso, na maioria das vezes, o indivíduo acometido, passa anos assintomático, ou oligossintomático. Os sintomas são notados como desconforto, ou queda inexplicável de rendimento, ou dor “muscular” durante ou após a realização de treinamento físico intenso. Com a progressão do grau de obstrução ao fluxo, e quando há associação com outros fatores, como desidratação, pode ocorrer a trombose venosa aguda. Seus principais sintomas são: dor aguda, edema, sensação de peso, e cianose no membro acometido. É comum o aparecimento de de vasos colaterais dilatados, na superfície do tórax e ombro. 

Estenose e aneurisma da artéria subclávia e axilar: 

Apesar de ser mais raro, os mesmos fenômenos fisiopatológicos compressivos, e obstrutivos, podem também ocorrer nas artérias, provocando compressões, estenoses, aneurismas, embolismo, trombose, déficit de perfusão e isquemia do membro. Em geral isso ocorre mais tardiamente, e não é incomum que esses pacientes, quando perguntados, referem sinais e sintomas prévios neurológicos, não valorizados ou identificados previamente. Os principais sintomas são fraqueza, perda de desempenho, dor, palidez, frialdade, e nos casos mais graves úlceras, necrose, e até mesmo gangrena nos membros acometidos.  

Lesão do arco arterial palmar: 

É um tipo de lesão vascular, que pode ocorrer em atletas envolvidos em esportes, que causam impacto constante nas palmas das mãos, como jogadores de handebol, baseball, basquetebol, e goleiros de futebol. É causada por inflamação crônica, que pode levar a fibrose da parede do vaso, trombose, aneurisma e por fim isquemia das artérias de fino calibre da palma da mão. Os sintomas mais comuns são: dor, sensação de formigamento, cianose, palidez e hiperemia dos dedos, que quando aparecem em conjunto, e de forma intermitente, é conhecido como fenômeno de Raynaud.

 

MEMBROS INFERIORES:

Endofibrose da artéria ilíaca externa:

É uma das principais doenças vasculares que ocorrem nos atletas nos membros inferiores. Sua fisiopatologia envolve o espessamento intimal da luz da artéria ilíaca externa, que fica na região da pelve, por fibras colágenas, e musculatura lisa, na ausência de processo inflamatório ou aterosclerótico. Sua causa não é conhecida, aparentemente ela ocorre por fatores anatômicos, mecânicos e posturais, que provocam compressão externa na parede dessa artéria por ligamentos, e por músculos hipertrofiados, durante o exercício físico intenso. Ocorrem principalmente em ciclistas, triatletas e esquiadores. O sintoma mais comum é uma queda inexplicável e gradativa na performance, relacionada a fraqueza no membro comprometido.  

Síndrome do canal dos adutores:

O canal dos adutores é um túnel aponeurótico formado pelas bordas do músculo vasto medial, adutor longo, magno, e sartório, na região medial da coxa. Quando existe hipertrofia desses músculos pode ocorrer compressão externa da artéria femoral, que pode provocar diminuição do fluxo sanguíneo, queda da pressão arterial de perfusão, e desencadear claudicação intermitente, que é a dor e a fraqueza nas pernas, ao exercício físico, obrigando a interrupção dele. É mais comum em corredores de rua e esquiadores. Quando não diagnosticada em seus estágios iniciais pode levar a trombose, embolia e isquemia grave do membro a médio-longo prazo. 

Síndrome do aprisionamento da artéria poplítea: 

A artéria poplítea situa-se na região posterior da coxa e joelho, e é responsável pela irrigação sanguínea das pernas e pés. Ela também pode ser comprimida por estruturas ligamentares, principalmente pela cabeça medial do musculo gastrocnêmico (batata-da-perna). Essa compressão pode levar a obstrução, formação de aneurismas, embolia e isquemia arterial. Os principais esportes que podem desencadear essas síndromes são: basquetebol, futebol, rúgbi, artes marciais, e halterofilia, principalmente em usuários de anabolizantes.  A maioria os atletas acometidos são jovens e saudáveis, na maioria homens, e os sintomas podem ser bilaterais em 25% dos casos. Ela pode ter componente genético, e a ocorrência dos sintomas desencadeada, precocemente, pela ocorrência da hipertrofia muscular. 

Síndrome do aprisionamento da veia poplítea:

A fisiopatologia é a mesma, mas ao invés de levar a isquemia, ocorre o represamento e a hipertensão venosa do sangue drenado das pernas e pés. Nos estágios iniciais ocorre sensação de peso, dificuldade de recuperação física, ou até mesmo dor, edema e escurecimento da pele. Nos casos mais graves pode ocorrer a formação de varizes e ulcerações e até mesmo a trombose. 

Síndrome compartimental crônica do exercício (SCCE) 

É uma afecção que vêm sendo cada vez mais diagnosticada, caracterizada por distúrbios dolorosos dos membros inferiores ou superiores, causados por isquemia secundária ao aumento da pressão intracompartimental durante ou após a prática de atividade física. É muito comum nos atletas, correspondendo a 75% da dor crônica nos membros inferiores, nesse grupo de pacientes. Geralmente acomete maratonistas, jogadores de futebol, de rúgbi, de basquete e de tênis. 

A ativação muscular intensa realizada durante o exercício leva a um aumento do aporte sanguíneo, secundário ao aumento da demanda metabólica, aumento da pressão tissular muscular, e do fluido intersticial, aumentando o volume do músculo. Como a expansão da musculatura é limitada pela fáscia muscular (capa fibrosa e inelástica branca que recobre os músculos) ocorre déficit de vascularização muscular, hipóxia celular transitória, aumento de citocinas e estimulação dos nervos fasciais e periosteais, resultando em dor durante a prática de esportes de alto rendimento, e até mesmo em atividades físicas menos extenuantes, como caminhadas rápidas e trotes leves, com conseqüente limitação funcional.

Isquemia mesentérica:

As queixas gastrointestinais (GI) são muito comuns em atletas, ocorrendo em 20–50% dos competidores de alta performance. Para acomodar as demandas do exercício, o sangue é desviado do sistema gastrointestinal para o músculo esquelético metabolicamente ativo. O exercício normalmente reduz o fluxo sanguíneo gastrointestinal em até 80%, o que torna a mucosa intestinal suscetível a lesão isquêmica. Como resposta à lesão, a permeabilidade da mucosa intestinal aumenta, causando perda de sangue de forma oculta, bem como a translocação de bactérias protetoras que podem provocar a diarreia. Curiosamente, indivíduos melhor treinados podem ter uma diminuição menor no fluxo sanguíneo mesentérico com exercícios intensos; no entanto, isso não prediz com segurança quais pacientes sofrerão de colite isquêmica. A gastrite hemorrágica é a causa mais comumente relatada de sangramento gastrointestinal induzido por exercício e acredita-se que seja causada por isquemia mediada pelo ácido gástrico, e perda do muco protetor gástrico. O segundo local de isquemia mais comumente afetado é o intestino grosso, nos territórios da artéria mesentérica superior e mesentérica inferior. Particularmente vulneráveis ​​são as áreas de junção do território da artéria mesentérica superior (SMA) e da artéria mesentérica inferior (IMA) perto da flexura esplênica conhecido como ponto de Griffiths. Na maioria dos casos, a isquemia ocorre na ausência de doença detectável nas artérias ou veias mesentéricas. Os pacientes geralmente apresentam cólicas abdominais, distensão abdominal, náuseas, vômitos e / ou sangramento gastrointestinal oculto após um esforço longo ou de alta intensidade, como correr uma maratona. Alternativamente, os pacientes podem apresentar fadiga crônica e, subsequentemente, podem ser encontrados anemia ferropriva secundária à colite isquêmica crônica e perda de sangue oculto. Os pacientes devem ser questionados sobre o uso de agentes anti-inflamatórios, e anticoncepcionais orais, ambos associados à isquemia intestinal em atletas. História pessoal ou familiar de distúrbios de coagulação ​​também devem ser investigados. 

Dissecção aórtica e de artérias cervicais:

A disseção arterial ocorre quando existe uma lesão na camada íntima, que é a camada de células que recobre o vaso em seu interior. Quando o sangue penetra a camada média, através dessa lesão, pode haver a formação de uma dissecção entre as camadas íntima e muscular do vaso, podendo ocorrer hematoma, e compressão da luz verdadeira, causando obstrução e isquemia, ou formar um aneurisma, que é uma dilatação da artéria que se não tratada pode evoluir para ruptura. Esse tipo de lesão é mais comum em indivíduos hipertensos, portadores de doenças genéticas do desenvolvimento das fibras colágenas e nos usuários crônicos de corticoide. Essas lesões podem ocorrer em todos os esportes em que ocorre movimentação brusca, seja ela provocada por movimentos de rotação, flexão e extensão súbita e vigorosa, trauma mecânico, e aceleração ou desaceleração rápida. Os esportistas mais acometidos são jogadores de futebol, de golfe, tenistas, lutadores de artes marciais e pilotos. Alguns estudos têm demonstrado que existe um aumento de incidência principalmente em atletas usuários de anabolizantes. 

Lesões vasculares provocadas pelo frio:

A temperatura de nosso corpo é mantida em temperatura relativamente constante (aproximadamente 37°C) pela circulação sanguínea e outros mecanismos metabólicos. O sangue obtém o seu calor principalmente da energia que as células libertam quando processam os alimentos (metabolizam), em um processo dependente da presença do oxigênio. Para um bom funcionamento das células e dos tecidos do organismo, é necessário que o corpo mantenha uma temperatura normal. A temperatura corporal baixa pode levar a maioria dos órgãos, em especial o coração e o cérebro, a se tornarem metabolicamente lentos e até mesmo pararem de funcionar. A temperatura corporal abaixa quando a pele é exposta a um ambiente frio. Como resposta a essa queda de temperatura, o organismo utiliza vários mecanismos protetores para gerar calor adicional. Por exemplo, os músculos produzem calor através dos calafrios. Os pequenos vasos sanguíneos que se encontram na pele contraem-se para desviar mais sangue para os órgãos vitais, como o coração e o cérebro. Como a quantidade de sangue quente que chega à pele é menor, zonas do corpo mais periféricas como os dedos das mãos e dos pés, as orelhas e o nariz sofrem um processo de intenso vaso espasmo, ou seja, fecham totalmente a circulação, e resfriam-se mais rapidamente. Esse processo pode provocar isquemias e gangrenas dos tecidos acometidos. Além disso quando a temperatura cai abaixo dos 31 °C, os mecanismos protetores deixam de funcionar e o organismo não pode voltar a se aquecer. Se a temperatura corporal cair abaixo de 28 °C, pode ocorrer a morte. Esse processo é chamado de hipotermia. O risco de lesões provocadas pelo frio aumenta nas seguintes circunstâncias: Quando o fluxo sanguíneo é demasiado lento, quando o consumo de alimentos é inadequado, quando ocorre desidratação ou exaustão, quando o ambiente está úmido ou quando uma parte do corpo entra em contato com algo úmido, quando a pessoa entra em contato com uma superfície metálica, quando o oxigênio não é suficiente, tal como ocorre a grandes altitudes. Se a pele, os dedos das mãos e dos pés, as orelhas e o nariz estiverem bem protegidos ou ficarem expostos ao frio por pouco tempo, não haverá lesões, mesmo em climas extremamente frios. Manter-se quente num ambiente frio requer várias camadas de roupa, de preferência de lã ou fibras sintéticas, como o polipropileno, porque esses materiais isolam mesmo estando molhados. Como o corpo perde uma grande quantidade de calor pela cabeça, é fundamental utilizar um gorro que proteja. É igualmente útil comer bem e beber muitos líquidos (especialmente líquidos quentes). Os alimentos proporcionam nutrientes para serem metabolizados e os líquidos quentes fornecem diretamente calor e previnem a desidratação. Quando o esportista estiver em montanhas altas, em que existe rarefação de oxigênio, é importante descer para aumentar a oferta de oxigênio, ou utilizar máscara com suplementação de oxigênio. As bebidas alcoólicas devem ser evitadas, pois o álcool dilata os vasos sanguíneos que se encontram na pele, fazendo com que o corpo se sinta temporariamente quente, mas, na realidade, há uma maior perda de calor.

 

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: 

O diagnóstico de todas essas síndromes que podem acometer os atletas necessita conhecimento da fisiopatologia, e muitas vezes que seja estabelecido protocolos de busca ativa dos sinais e sintomas e check-up vascular, uma vez que no início, a maioria dos atletas são oligossintomático, e não é incomum que procurem auxílio médico apenas quando existe trombose ou isquemia do membro. 

O diagnóstico inicialmente é clínico, ou seja, baseado nos sinais e sintomas, e deve ser considerado no atleta jovem e saudável, envolvido em esporte competitivo.  

No exame físico investiga-se a presença dos pulsos na posição anatômica e provocativa, ou seja, movimentos que mimetiza aqueles assumidos durante a execução dos exercícios praticados em cada modalidade esportiva.  Dessa forma, é importante o conhecimento das síndromes vasculares que mais frequentemente acometem podem acometer o atleta.  

A alteração do fluxo sanguíneo pode ser investigada através do Doppler ultrassom colorido, que pode ser feito no consultório vascular, e nos casos mais específicos, pela angiorressonância e angiotomografia. Nos casos mais graves e agudos, pode ser necessária a angiografia, que é feita por punção percutânea dos vasos e colocação de um cateter dentro de sua luz, através da injeção de contraste ele verifica, e confirma, a presença e a extensão da trombose, a presença de colaterais, além disso, permite ainda no mesmo procedimento, a instalação de um cateter multiperfurado, para a infusão de agente trombolítico, e angioplastia e implante de stent quando necessário. Na maioria dos casos o processo etiopatogênico envolve a presença de compressão por estruturas ósseo-ligamentares, e dessa forma pode ser necessária a descompressão cirúrgica através da ressecção da estrutura óssea, ligamento e divisão das fibras musculares envolvidas no processo compressivo. 

No caso da dissecção aórtica o sintoma principal é a dor torácica aguda, e pode haver isquemia e trombose arterial associada. Na dissecção dos vasos cervicais pode haver dor local e sintomas neurológicos como distúrbios visuais, vertigem, náusea, vômito e nos casos mais graves pode haver déficit sensório e motor (acidente vascular cerebral). Nesses casos, é necessário a realização imediata de angiotomografia, em ambiente hospitalar, e pode ser necessário tratamento cirúrgico através de implante de stents ou endopróteses para tratar a lesão presente na luz da artéria. 

O uso de vasodilatadores, anticoagulação sistêmica, o uso de anticoagulantes, e a terapia antitrombótica podem estar indicadas nos casos de obstrução grave ou trombose arterial ou venosa. Os atletas competitivos, devem ser afastados de suas atividades até que os anticoagulantes não sejam mais necessários, pois o trauma pode provocar hemorragia. 

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